Sabedoria
Paterna
Um homem muito
rico, muito sábio e muito bondoso, sentiu que seus dias estavam
chegando ao fim.
Esse homem
tinha um único filho, rapaz com pouco discernimento a respeito
das companhias de que se cercava. Sua vida era marcada pela
indolência, não tendo jamais demonstrado interesse pelos negócios
de seu pai.
Preocupado com
o futuro desse filho desajuizado, o magnata resolveu colocá-lo
à prova.
Mandou chamar
o filho, numa fria tarde de inverno, para ter com ele a conversa
mais dura de toda a sua vida.
O filho
compareceu, sem imaginar o que o esperava. Cumprimentou o pai,
que de seu leito o fitava fixamente, atento a cada mínima reação
que ele pudesse ter.
Então o pai
começou a repreender o filho duramente, a respeito da inconseqüência
que pautara a vida do rapaz até então. Este, apesar de manter
os olhos baixos, em respeitosa atitude, e de sentir-se
sinceramente constrangido pelas críticas do pai, não pôde
deixar de sentir também que aquele tipo de conversa já havia
acontecido muitas vezes antes, sem qualquer conseqüência.
O pai,
dominado pela mesma sensação, decidiu dar um rumo diferente àquela
situação, pois desta vez a conversa tinha de render algum
fruto. Ele não podia deixar o patrimônio conseguido ao longo
de uma vida inteira nas mãos de um irresponsável.
Por isso, em
tom realmente enérgico, deu um ultimato ao filho, que ficou
muito espantado:
"Tu tens
três dias para me trazer 10 moedas... porém essas 10 moedas têm
de ser obtidas com o suor do teu próprio rosto! E não
conseguirás me enganar: se não as obtiveres com o teu próprio
trabalho, eu saberei! Se não cumprires esta meta, estarás
DESERDADO, e ordenarei aos meus servidores que distribuam todo o
meu patrimônio entre os necessitados!"
O filho saiu
da audiência desolado. Sabia da bondade e da paciência de seu
pai, mas sabia também o quanto já havia abusado delas, e de
como ele era notório em toda parte como homem de palavra. Era
certo que ele não voltaria atrás em sua resolução.
Andando pela
rua, encontrou um amigo de farras e bebedeiras, de vida tão
desregrada e improdutiva quanto a dele próprio. Contou a história
ao amigo, que riu-se dele, para em seguida tirar do bolso 10
moedas, e entregá-las ao triste rapaz, dizendo:
"Toma
aqui as tuas 10 moedas. Leva-as ao teu pai, dize-lhe que as
obtiveste com o teu trabalho, e garantirás a tua herança. Não
tenhas pressa em pagar-me: quando puseres as mãos na herança,
poderás me recompensar pelo empréstimo, de forma muito mais
generosa, que convirá melhor a um homem de tua posição."
Assim o cínico
amigo fazia um empréstimo já contando em ter uma participação
na herança do magnata, antes mesmo do seu pensamento.
No dia
seguinte, o filho indolente foi ter com o pai ao cair da tarde.
Entregou ao
pai as moedas, afirmando que as obtivera com o suor de seu
rosto.
O pai tomou as
moedas e olhou-as longamente. Enquanto o filho o observava
ansioso, ele olhava minuciosamente para as moedas, enquanto o
fogo crepitava na lareira. Subitamente, o velho arremessou as
moedas ao fogo, gritando:
"Meu
filho! Tu não ganhaste estas moedas com teu próprio esforço!"
O rapaz,
perplexo, não teve coragem de reagir, nem conseguiu prolongar a
mentira. Cabisbaixo, saiu sem dizer nada.
Ao encontrar
na rua outro amigo, de qualidades pessoais não melhores que o
do dia anterior, contou-lhe todo o seu drama. O amigo começou a
rir-se interminavelmente.
O infeliz
rapaz indignou-se e exigiu que o amigo lhe explicasse o motivo
de tanto riso. O outro falou:
"É claro
que teu pai tinha mesmo de descobrir a tua farsa! Tu dizes a ele
que ganhou 10 moedas com teu trabalho, e apareces na presença
dele assim?
Limpo,
penteado, perfumado, adornado de jóias e envergando ricas
vestes?
Como esperavas
que ele acreditasse? Nem sequer sabes como se apresenta um homem
depois de um dia de trabalho árduo?"
E fez proposta
semelhante à do outro amigo, emprestando as 10 moedas, mas
esperando uma retribuição muito mais vultuosa no momento
oportuno.
No dia
seguinte, pouco antes de ir ter com o pai, o rapaz se presta a
uma cena ridícula: passa pelos locais de cultivo, criações de
animais, pela praça da cidade, enfim, por vários lugares onde
pessoas estavam realmente envolvidas em diversas atividades, e
começa a sujar-se deliberadamente, com terra, pigmentos de
tecido, pêlos de animais, enfim, tudo o que poderia manchar a
pele e as vestes de um homem que tivesse labutado
duramente.
Não
satisfeito, realiza uma corrida de várias voltas em torno da
praça, a fim de
apresentar-se ao pai ofegante e suarento.
Já na presença
do pai, entrega-lhe as 10 moedas, e repete-se a cena do dia
anterior. Do mesmo modo, o pai lança as moedas ao fogo,
gritando: "Meu filho! Tu não ganhaste estas moedas com teu
próprio esforço!"
Decepcionado,
o rapaz se retira, já convencido de que nunca conseguirá
enganar o velho pai.
No dia
seguinte, antes do nascer do sol, já o nosso amigo
encontrava-se perambulando pela cidade. Procurou ganhar dinheiro
de diversas formas: ajudando comerciantes a carregar e
descarregar mercadorias, tratando das montarias de comerciantes
de passagem pela cidade, investindo seu dinheiro em produtos que
procurou revender, etc. Trabalhou duramente, feriu as mãos e os
pés, foi várias vezes enganado; mais de uma vez, chegou a ter
9 moedas em suas mãos, e num negócio periclitante, a perder 2
ou 3; mas já quase ao pôr-do-sol, extenuado, finalmente
conseguiu chegar à quantia determinada.
Compareceu à
presença do pai, de cabeça erguida, sorriso de triunfo nos lábios.
Desta vez, o pai examinou as moedas mais longamente, pensou
muito... depois, lançou as moedas ao fogo.
Mas antes que
pudesse lançar no ar suas habituais palavras de repreensão,
viu o filho cair de joelhos ao lado da lareira, lançando um
grito lancinante: "Não, meu pai! Não!"
Orgulhoso e
emocionado, o pai chama o filho a abraçá-lo, dizendo:
"Agora,
sim, meu filho, posso partir deste mundo tranqüilo. Agora tenho
certeza de que foste capaz de ganhar as moedas com teu próprio
esforço.
Das primeiras
vezes, não tivestes reação nenhuma: é que as moedas não
valiam nada para ti, pois não tinhas tido trabalho nenhum em
obtê-las.
Porém, estas
últimas moedas te custaram suor, sangue e lágrimas, e dessa
forma aprendeste o valor delas, e principalmente o valor do
trabalho duro e honesto.
Não
tenho dúvidas de que parto deixando meu legado nas mãos de um
homem honrado."
Por mais rico que fosse esse homem, nenhuma riqueza poderia
pagar o principal legado que ele deixou ao filho: a faculdade de
valorizar o trabalho.
Autor Desconhecido
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