História da Mineira 6 (05/10/2003)
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Fiz uma oração e pedi ajuda à Deus -
5 outubro de
2003, acabamos de chegar da casa da Mineira. Conforme colocara no
texto anterior, não pretendíamos visitá-la essa semana,
entretanto as surpresas começaram no decorrer da semana iniciada
após a visita do final de setembro.
Acertada
a volta do fornecimento de água discutíamos a questão do
esgoto. Uma pergunta pairava na boca de todos: ela já vai ter que
pagar o fornecimento de água, mesmo se conseguíssemos por acaso
recursos para fazer a ligação de esgoto, como ela conseguiria
pagar?
Essa
discussão não se precipitava, porque não tínhamos condições
para custear tal serviço, mas a primeira surpresa apareceu.
Eduardo coordenava os e-mails que eram trocados sobre o assunto
quando em determinado momento nos avisa que uma outra pessoa
estava entrando na discussão, era o nosso amigo Sr. Roberto, da
empresa Grua. Logo recebíamos cópia de e-mail do Sr. Roberto com
o seguinte teor:
– Edu, não é nada difícil eu deslocar um pedreiro daqui da minha
firma para ajudar na casa da Mineira e comprar o material que
necessita. O problema é que o consumo aumentará, e aí?
A situação tomou outra conotação. Éramos obrigados a tomar uma decisão,
aproveitar a oferta gentil que o Sr. Roberto fizera ou não
aproveitar por causa do problema do valor da conta. Quarta e
quinta-feira, primeiros dias de outubro essa discussão toma
vulto, de comum acordo resolvemos que não poderíamos perder essa
oportunidade.
Opinei que o problema do pagamento da conta mensal de água e esgoto ela
sempre terá, mas que deveríamos dar-lhe essa oportunidade, se as
“ferramentas” nos são oferecidas, se Deus nos faz de
instrumentos, não podemos nos negar – Deus sempre investe em
capital de risco, Ele investe em nós, devemos fazer como Ele, é
importante confiar.
Concordância geral e aceita a oferta do Sr. Roberto, combinamos que iríamos
nesse domingo passar na casa da Mineira apenas para acertar com
ela um horário em que estivesse e o pedreiro da Grua pudesse
passar.
Às 8 horas da noite de domingo encontramo-nos no Centro Espírita Auta de
Souza para seguirmos a casa dela. Enquanto esperávamos Paulo e
Gisele chegarem, Eduardo contou-me que os objetivos a que se
propusera na questão da Mineira ele considerava cumpridos, essa
seria a última fez que a visitaria com um grupo específico para
isso. Dialogamos como amigos e irmãos de coração que somos,
respeitando opiniões diversas sobre os trabalhos sociais que cada
um se propõe.
Assim que nossos outros dois amigos chegaram, saímos em direção ao Glicério.
Estacionávamos o carro embaixo da sua janela e D.
Elizabete já saia para nos apresentar seu rosto simpático. Em
poucos minutos Shirley e Sávio recebiam abraços da Gisele e éramos
convidados a entrar. Nesse momento surgiu a outra surpresa:
– Está vendo ali – ela nos aponta um homem sentado a uns dez metros
da porta onde estávamos –, é meu marido, ele voltou, foi
solto.
Todos nos surpreendemos, seu sorriso irregular abriu largo e contente.
Resumindo a longa e complexa conversa sobre sua situação jurídica que
Adilson, o marido da Mineira, teve com Paulo, ele foi beneficiado
por uma apreciação de um outro juiz sobre seu caso, embora ainda
esteja em situação pendente.
Paulo anotou os dados do seu processo e reafirmou que entraria em contato
com um amigo seu, advogado criminalista, para verificar se esse
poderia ajudar a esclarecer melhor o caso.
O engraçado
é que antes de sairmos para a casa da Mineira, ainda no Centro
Espírita, falávamos sobre a liberdade de Adilson. Paulo disse
que já havia comentado o caso com seu amigo do escritório – da
área Criminalista –, mas que o processo se encontrava
em Avaré.
A casa estava alegre. Com seu filho Sávio no colo, Adilson agradeceu
muito o apoio que estávamos dando a sua esposa. Reiteradas vezes
ouviu:
– Não somos nós, Deus os colocou em nosso caminho.
Outra pequena surpresa meu olhar divisou enquanto ouvia a conversa de
Paulo com Adilson. Estávamos parados na porta da cozinha,
encostados no batente, apertados no estreito corredor.
Gisele que participara dessa conversa no seu início, agora nos dera as
costas e conversava com a Mineira com o caçula do casal, Sávio,
no colo. Alguns minutos mais tarde ela foi conversar com as outras
crianças deixando o bonito garoto sorrindo no meu colo.
O pequeno já quase pegava no sono, deitando a cabeça no meu ombro quando
olho para dentro da cozinha e vejo na mesa da cozinha outra cena
que mais uma vez me provocou o mesmo pensamento de duas semanas
atrás: pena
que não estou com uma máquina fotográfica!
Eduardo estava sentado em uma das cadeiras da mesa da cozinha, Shirley, a
menina de 10 anos a seu lado com caderno de exercícios da escola
aberto, os irmãos Alex e Alexandre assistindo do outro lado da
mesa.
Aproveitando a ocasião em que Paulo pediu a Adilson que
continuassem a conversa na calçada porque gostaria de fumar um
cigarro.
Entrei na cozinha e precisei melhor a cena que me surpreendia. Meu querido
amigo Edu, que conheço por sua enorme boa vontade em ajudar os
mais desfavorecidos, mas também pela impaciência com crianças,
pacientemente ensinava matemática para Shirley.
– É uma técnica que aprendi, facilita a criança aprender tabuada, não
precisa decorar tanto, quer ver, Mau, é assim...
Brinquei de volta:
– Edu, sou de Humanas, ensina para ela e depois ela me ensina.
Afastei-me novamente da mesa e de pequena distância a apreciei sozinho
sorrindo, ou melhor, com Sávio dormindo no meu colo.
A menos de um metro da mesa em que se processava a aula, o jovem casal,
Sheila e seu marido, dormiam no sofá.
No quarto ao lado, fui surpreendido com uma cama de casal no lugar em que
semana passada não havia nada, haviam conseguido uma cama com um
vizinho, que deu à ela a chance de pagar como e quando pudesse.
Em cima dessa, Sidnei, o garoto de 12 anos e Shisleine, de 5 anos,
dormiam profundamente.
Logo minha atenção foi atraída pelo diálogo entre a Mineira e Gisele.
– Está feliz, Mineira? Seu marido voltou para casa, na semana retrasada
foi a sua filha sumida há mais de um ano que voltou, agora tem água,
quanta surpresas boas, está feliz?
– Ah, muito, muito feliz! Estou muito agradecida.
– Chorou quando viu seu marido chegando?
Ela ri timidamente e responde baixo reafirmando com a cabeça:
–
Chorei, chorei sim. Bateram na porta, perguntei quem era, não
respondia. Eu dizia que não abriria se não falasse quem era, aí
ele respondeu que se eu não abrisse não saberia quem era. Quando
disse isso, reconheci a voz e meu coração bateu forte. Ele
chegou de surpresa, eu não esperava, fiquei muito feliz!!
– Pode ser uma nova fase da vida de vocês que está começando.
Sorri ao ouvir isso porque essa mesma frase Paulo e Edu falaram em momento
diferentes para Adilson, sempre que esse agradecia e dizia que
aprendera.
– Em 1998/1999, não tinha nada, estava desesperado, veio aquela
possibilidade de ganhar dinheiro, aí...
– Deixa o passado para trás, errar todo mundo erra, o importante é
daqui para frente – repetiram-lhe todos nós.
– É, fui procurado por meu ex-patrão, diz que vai me ajudar, veio até
aqui me puxar a orelha, e puxou mesmo, de verdade – disse sério.
Imaginem um homem de no mínimo de 1,80 de altura, forte e
robusto, tendo a orelha puxada.
Respeitoso e simpático, também de fala mansa, meus pensamentos voavam,
acho que realmente ele faz par mesmo com a Mineira, combinam.
Voltando minha atenção à conversa entre a Gisele e a Mineira, ouvi essa
última recordar:
– Um mês e pouco atrás eu estava desesperada, meu marido preso, minha
filha mais velha sumida, nós sem água.
O que eu catava de papelão mal dava para comprar comida, ganhava uma
cesta básica por uma limpeza que faço, mas com tantas crianças,
estava desesperada, não sabia mais o que fazer! Sabe, eu não sou
muito de rezar, quase não estudei,
então
rezei e pedi ajuda à Deus.
Tem
a madrinha do meu marido, eu tinha ido lá pedir dinheiro,
ela falou que ia emprestar, mas disse que todo mundo pedia
dinheiro para ela, disse que ia emprestar, mas, hum, até agora não
deu nada. Não sabia mais o que fazer, rezei, rezei mesmo, pedi
ajuda.
– É, Mineira, quando foi isso? Quando foi que você fez essa oração tão
forte?
– Foi..., acho que foi uns três dias antes da primeira vez que vocês
vieram.
– É, a primeira vez que nós a vimos foi no final de agosto. Havia uma
moça que havia nos falado de vocês no mês anterior, quando
viemos em agosto, nós a encontramos e ela nos mostrou a sua casa
e a chamou, lembra?
– É, lembro, ela tá presa agora.
– Nem sei se nós somos merecedores disso, de receber essa ajuda.
Agora era Adilson que completava a conversa, retornara à cozinha com
Paulo.
– Se nos colocaram por alguma razão no caminho de vocês, ou vocês no
nosso caminho, então deve ter seu porque. O importante é daqui
para a frente.
– É, eu sei, também estou vendo um emprego de marceneiro aqui perto.
– É, também tem uma moça lá do CCA onde ficam as crianças depois da
escola, estão precisando de marceneiro lá, falei com ela, está
interessada no trabalho dele. – completou a Mineira.
– Você é marceneiro? – pergunta-lhe Paulo.
– Sou, sou sim, e sei também fazer um pouco de serviço de pedreiro
também.
Alguns minutos depois as surpresas continuam. Gisele e Mineira que haviam
ido ao quarto, retornam. Chamando-me, Gisele me diz que a própria
Mineira pediu-lhe, por iniciativa própria dela, que queria fazer
uma prece.
– Mau, foi ela que pediu.
– É, eu queria fazer uma prece, agradecer tanta coisa boa acontecendo.
Discretamente sorrio
sozinho, recebera ela sim surpresas boas, mas essa alegria espontânea
na simplicidade e precariedade daquele lugar lembrava-me certa
simplicidade cristã, alegrar-se pela felicidade de receber o que
é mais importante.
Todos demos as mãos, ou melhor, quase todos, os que estavam dormindo
continuaram dormindo.
Formou-se pequena e irregular roda. Shirley não quis dar as mãos para
Alex porque este estava com a mão melada da maça que comera,
trocamos de lugar, segurei sua mão melada enquanto com a outra
segurava a mão dela, que por sua vez colocara-se de mãos dadas
com o Adilson, que era quem carregava o sonolento Sávio no colo
dessa vez.
– Ele é xodó do pai – disse-nos a Mineira –, brincaram o dia
inteiro.
Eduardo
iniciou participando-lhes que não viria mais a casa deles, expôs
suas razões e logo iniciou rogativa para que esses aproveitassem
a oportunidade que estavam recebendo, exortou-os a retomarem a
vida com novos propósitos, novamente Gisele e ele reiteraram para
que Adilson deixasse o passado para trás, lembrasse que todo
mundo já errou, e pensasse em construir um futuro para ele e sua
família.
Enxugando
furtivas lágrimas o Adilson iniciou o Pai-Nosso, sendo
acompanhada por todos, inclusive pelas crianças, de olhos
cerrados.
Fomos
envolvidos pela esplêndida energia que reinava naquele momento
nessa humilde casa. Ao encerrarmos a oração, a Mineira novamente
agradeceu pelo que recebera e disse que não sabia se eram
merecedores disso.
Imaginávamos
que após a oração iríamos nos despedir e irmos para casa, estávamos
todos cansados, entretanto a despedida foi longa. Sem nem me
perceber bem como, após a roda ter-se desmanchado olho ao lado e
vejo que o Edu retomara as lições de tabuada para a Shirley.
–
Mau, olha aqui, é simples, veja, se você fizer assim..., eu não
venho na semana que vem, eu te mostro como é e semana que vem você
vê se ela aprendeu.
Ao
lado a Mineira mostrava-nos as bonecas que Adilson fez na prisão,
muito bonitas, levamos uma para fotografar e colocar no siteamigo
(www.siteamigo.com).
Ficamos
impressionados pela qualidade do seu trabalho, discutimos com
Adilson sobre qual seria o custo para que ele as fizesse aqui em São
Paulo, opinamos que poderia ser um extra para ele, independente do
emprego que conseguisse.
Algum
tempo depois finalmente nos despedimos deles, Adilson despediu-se
agradecendo enfaticamente e nos acompanhou até a porta do carro.
Combinamos com a Mineira que voltaremos na semana que vem, 12 de
outubro, para o Dia das Crianças.
Incríveis
os caminhos que nos são apresentados. Antes de chegarmos até a
Mineira, pedíamos algo mais além da entrega do lanche.
Aprendendo, podemos também ser instrumentos de Deus e, portanto,
instrumentos de amor.
No
carro, enquanto íamos embora, conversávamos. Meus amigos estavam
emocionados. Edu, mais tarde, confessou-me que enxugou algumas lágrimas
escondido enquanto dirigia, não queria que ninguém percebesse o
quanto se emocionara – disse-me que nunca as pessoas o viram
chorar e imaginava que ninguém precise ver isso.
No
dia seguinte contou-me que ao chegar em sua casa ajoelhou-se para
rezar em frente a um quadro de Cristo que há na sala, tendo
chorado por dois minutos até ser surpreendido pela sua mãe.
Deus
queira que todos nós que estamos acompanhando a pouco tempo a
história dessa família consigamos, além de “apenas” nos
emocionar, também aprender com as lições de vida que nos são
ofertadas.
Esse
é um trabalho que apresenta um alcance maior que a doação
material e mesmo que a doação de nosso tempo, é um tipo de
atividade de integração social que nos permite aprender muito,
pois interagimos com as pessoas que conhecemos, elas nos abrem
suas vidas o que nos permite aprender com os exemplos, positivos e
negativos, basta procurarmos estarmos abertos a compreender as
pessoas e as diferenças de vida de cada um e, principalmente,
aprendermos a encarar os mais diversos seres humanos livres de
preconceitos e de qualquer moral repressora.
Por
fim, lembremos que há outras Elisabete´s e outros Adilson´s,
que necessitam de ajuda e, procuremos estar receptivos para os
encaminhamentos que nos sejam indicados.
abraços
Maurício
Clique nos números ao lado para ver algumas
fotos das bonecas:
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8
Clique aqui
para ver a explicação do Eduardo de como ele estava ensinando a
tabuada.
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