Uma cadeira para Taíse
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relato de uma saga -
Meu envolvimento com esse drama começou com um almoço, é, um
simples almoço em um dia normal de trabalho. Mais ainda, nem
pensem em algo mais pomposo, nada, foi almoço de lanchonete, e na
empresa em que trabalho, a BCP. Foi um almoço a três, fui para lá
com a Maria do Carmo e encontrei outra amiga, a Eliz Castro.
Estávamos praticamente na metade do ano de 2003, dia 15 de julho,
pleno inverno paulistano. Uma falava de cá, outra falava de lá,
jogávamos conversa fora até que a Eliz comentou conosco que a
filha de uma amiga dela precisava muito de uma cadeira de rodas,
mas infelizmente não tinha condições de comprar, o preço
estimado de R$ 1.700,00 era muito alto para sua realidade econômica,
além do que o pai da Taíse, a menina que necessitava da cadeira,
fôra embora para o Japão quando essa nasceu.
Conforme a Eliz ia contando a vida da Taís, Maria e eu fomos nos
comovendo, ao final uma angustiante tristeza imperou no ambiente.
A vida da menina era ficar sentada o dia inteiro em cima de uma
cama vendo a mãe trabalhar na máquina de costura, para passar o
tempo ela ficava brincando com um telefone quebrado e com algumas
listas telefônicas, brincava de telemarketing.
A Eliz também nos contou que em 2002 o nosso amigo Eduardo passou
para ela a informação
de que o Hospital das Clínicas de São Paulo estava doando
cadeira de rodas, e que naquela ocasião a Taíse fôra
credenciada no Centro de REABILITAÇÂO UMARIZAL, pois a Fátima mãe
de Taíse recebeu da Eliz e do Eduardo toda a informação necessária
para iniciar o processo burocrático exigido por eles para que Taíse
fosse beneficiada nessa campanha. Taíse ficou na fila por
praticamente um ano, sem nenhuma previsão de entrega da tão
sonhada cadeira.
Após o cadastramento da Taíse acompanhamos o andamento dessa
espera pela cadeira por algum tempo e depois, como achamos que a
menina ia acabar conseguindo a cadeira, não ligamos mais para
saber das novidades.
Como é comum ocorrer, o tempo passa e nossas expectativas nem
sempre se realizam. Um dia, ao voltar do trabalho, a Eliz parou em
um supermercado perto de sua casa, a qual, por sinal, é perto da
casa onde moram a Fátima e a Taíse. Coincidências da vida, ela
encontrou a Fátima comprando pão. Passados os cumprimentos
rotineiros Eliz perguntou se a cadeira da Taíse já havia saído,
foi quando soubemos que sua amiga não tinha mais esperanças de
conseguir a cadeira, pois sempre que ligava para o Centro de
Reabilitação UMARIZAL recebia a mesma desanimadora informação:
Dona Fátima, até o momento o governo não nos liberou a verba
para a compra das cadeiras.
Infelizmente a frustração não se encerrou nesse ponto. Fátima
também lhe contou que o restante da musculatura de uma das pernas
da Taíse estava quase comprometida, a que ela mais usava para se
apoiar e se manter sentada, e, além disso, seu pé se atrofiara
mais ainda, causando muita dor a menina. Indignada, a Eliz pediu a
Fátima todo o processo com o histórico do caso da menina,
inclusive a documentação produzida pela AACD contendo as dimensões
e desenho de como deveria ser a cadeira.
Com toda a documentação em mãos, Eliz e eu, Eliana, reiniciamos
a luta pela cadeira da Taíse. Tentei em vários lugares, os mais
diversos, mas não consegui nada. O tempo passava, preocupação
aumentando, resolvi dessa vez eu mesma falar com o Eduardo. Sabia
que a Eliz o tinha procurado antes, e apesar de ter dado em nada,
ele ao menos realizara o primeiro contato com o Centro de
Reabilitação. Ao subir para o meu setor fui procurá-lo.
Contei o que a Eliz havia relatado e tentei junto com Eduardo
encontrar uma maneira de iniciar a jornada em busca de ajuda.
Eduardo tomou a frente e iniciou a campanha em busca de ajuda junto
aos seus colaboradores. Também propôs que fizéssemos uma
“vaquinha” entre todos os funcionários da empresa e que, na
medida em que fossemos arrecadando, iríamos trocando informações
para arrecadarmos apenas o suficiente a atender a necessidade de
Taíse. Ele precisava da informação pois a diferença ele iria
buscar junto com o pessoal do Grupo Beija-Flor. Assim que
concordamos que faríamos isso, minha amiga Maria e eu começamos
a passar uma lista para arrecadar dinheiro. Começou uma grande
movimentação em cima daquele problemão da Taíse, todas as
pessoas envolvidas se empenharam de corpo e alma para ajudá-la a
conseguir a cadeira especial que tanto necessitava – eu, por
exemplo, levantei a contribuição do pessoal da minha equipe e de
alguns amigos, mas muita gente da BCP ajudou e muitos amigos do
Siteamigo também. Enquanto trabalhávamos o lado da arrecadação
paralelamente a Eliz e o Eduardo batalhavam junto a AACD, a Casa e
Lar São Francisco e a outras casas para analisar qual instituição faria o preço mais de
acordo com o valor arrecadado.
Em dez horas já tínhamos arrecadado todo o dinheiro necessário para a
compra da cadeira, segundo o orçamento que a AACD enviara. Como
fruto do esforço de todos, após o término da arrecadação
verificamos que o valor arrecadado superara o valor do orçamento.
Após conversarmos sobre o que fazer com o valor excedente,
concordamos que ele deveria ser gasto com a própria Taíse, pois
ela fôra o objetivo da arrecadação. Decidimos que usaríamos
esse dinheiro para pagar as despesas com
o táxi para levar a Taíse para as consultas na AACD até
a entrega da cadeira e, se mesmo assim sobrasse algum dinheiro,
compraríamos uma cesta básica e entregaríamos o saldo para a Fátima.
Com o dinheiro arrecadado ligamos para a Fátima, transcrevemos
abaixo o resumo do diálogo com ela:
– Dona Fátima, como vai a Taíse?
– Ela esta com a perna
atrofiada, uma menor do que a outra.
– Ela precisa de uma
cadeira de rodas especial, não é?
– É, estou tentando há
mais de um ano, mas ainda não consegui.
– Dona Fátima, no que a
senhora acredita?
– Ahnn?
– É!
– Em Deus, é claro.
– Nós também, Dona Fátima,
por isso estaremos fazendo hoje mesmo um depósito na AACD para a
compra da cadeira. Em pouco tempo a cadeira estará disponível.
Fátima começou a chorar,
sua voz ficou embargada. A Eliz pegou o telefone.
– Fátima, você pode por o
telefone no ouvido da Taíse?
– Posso.
– Taíse (ela me conhece e
reconheceu a minha voz), conseguimos a sua cadeira! – dessa vez
foi ela começou chorar.
A Fátima pegou o telefone de
novo e a Eliz começou explicar como seria o desenrolar burocrático
e desligamos.
O grande dia chegou!!! Dia 3
de outubro de 2003, Eduardo e eu, Eliana, fomos para a AACD
participar da entrega da cadeira. No dia anterior, Eduardo
comprara no supermercado Barateiro uma cesta básica que entregaríamos
para a Fátima junto com a cadeira da Taís.
O dado curioso desse momento
é que nós dois não conhecíamos a Fátima pessoalmente, tivemos
que procurá-la, só a conhecemos ao encontrá-la junto com a Taíse,
ambas nos esperavam com enormes sorrisos. Cumprimentamos a todos e
nos apresentamos.
Não agüentei a emoção
daquele momento, quando o Eduardo olhou para mim com a máquina
fotográfica que levara para registrar a entrega da cadeira,
flagrou-me em lágrimas; ele também se emocionou, percebi que
teve que mudar de assunto para não chorar.
Em seguida entregamos pra Fátima
um papel para que ela fizesse um agradecimento para o Grupo
Beija-Flor, além disso também estava recebendo os quase cem
reais que ainda haviam sobrado do dinheiro arrecadado.
Nesse momento a Fátima
retirou-se para um canto para escrever o agradecimento, como
estava demorando o Eduardo foi atrás dela. Quando fomos embora da
AACD ele me relatou o que falaram, abro para suas palavras: Ela foi para um canto e fui
atrás dela. Quando ela se deparou comigo, não estava conseguindo
escrever, estava muito nervosa, olhou
para mim e começou a chorar dizendo que não sabia como
agradecer, eu apenas disse, pare de chorar, não me agradeça e
sim agradeça a Deus. Com um pouco de esforço ela se recompôs e
me deu o agradecimento.
Na hora de nos despedirmos da Taíse o Eduardo
perguntou-lhe se acreditava em Deus, ela riu e ele lhe pediu então
que agradecesse a Deus e orasse por todos aqueles que a ajudaram.
Duas semanas depois a Eliz esteve na casa da Fátima e
ficou impressionada com a Taíse. Contou-nos que a encontrou com a
expressão tranqüila, serena, seus olhos brilhavam parecendo
dizer alguma coisa. Ela me disse que tinha certeza que se a Taíse
pudesse se expressar de forma escrita ou verbal ela diria o quanto
sua vida melhorara com a chegada da tão esperada cadeira.
Meus amigos e eu sabemos que por mais que agradeçamos
pelo gesto de bondade de todos que contribuíram ainda será pouco
pelo muito que foi para a Taíse, nesse sentido o que nos resta é
agradecer a Deus pela oportunidade que ofereceu a todos nós de
participarmos dessa missão.
Muito obrigado a todos
Eliana Giglio Gabriel
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