Capítulo 4

Enxergando com os olhos do coração

Terça-feira, 12/06/2012, dia dos namorados. Trabalho na empresa Claro desde 1998 e estamos em nossa semana do voluntariado.

Além de já trabalhar como voluntário fora da empresa, sou atuante nas atividades internas da Claro neste assunto.

Várias foram as atividades voluntárias nesta semana e me cadastrei para um passeio com crianças com deficiência visual que a Claro estava organizando juntamente com as crianças da Fundação Dorina Nowill para cegos.

A Fundação Dorina Nowill tem a missão de facilitar a inclusão social de pessoas com deficiência visual, respeitando as necessidades individuais e sociais, por meio de produtos e serviços especializados - http://www.fundacaodorina.org.br. Nosso passeio iria acontecer em dois dias.

Estive em uma reunião de treinamento, onde aprendi um pouco como devemos lidar com eles. Achei muito interessante e quero compartilhar com vocês.

As crianças que iriam conosco tem, em média, de 6 a 10 anos de idade. Ao todo, seriam 10 crianças neste passeio.

Olha que legal, de criancinha até mais ou menos uns três anos, para caminhar, você os segura pelo pulso. Acima desta idade (muitos deles ainda não conhecem e não sabem usar a bengala), seguramos pelas mãos e na fase adulta eles seguram em nossos cotovelos e, quando são mais altos do que nós, seguram em nossos ombros, sempre com o braço direito.

Na sala havia vários voluntários. Participamos de um exercício para tentar descrever um determinado objeto.

Vendamos nossos olhos e cada um de nós pegaria um determinado objeto dentro de uma caixa e tentaria descrevê-lo. Eu fui o segundo. Peguei um círculo pequeno de borracha, parecido com aqueles tapetes de borracha. De um lado liso e do outro mais áspero.

Para se ter uma ideia, hoje o termo correto que se deve usar é Pessoa com Deficiência e não portadora de necessidades especiais ou com necessidades especiais.

Aprendi que existem cerca de 6,5 milhões de pessoas com deficiência visual e a cada 3 segundos uma pessoa fica cega.

Ensinaram-nos que devemos sempre perguntar a eles se querem nossa ajuda e não ir chegando e oferecendo. Devemos respeitá-los nisso.

Ao entrar ou sair de uma sala, devemos comunicar o fato a eles: “olha, eu vou sair da sala”, “olha, eu já voltei”. Além disso, não precisamos falar alto, eles nos escutam bem.

Iríamos levá-los a um passeio na Praça Victor Civita, ao lado do prédio da editora Abril, na Marginal Pinheiros, em São Paulo. A Praça Victor Civita é um espaço público único em São Paulo.

Ela foi construída em uma área anteriormente degradada e agora oferece ao público, gratuitamente, ampla programação cultural, esportiva, de lazer e de educação ambiental - http://pracavictorcivita.org.br.

Já na quarta-feira, dia seguinte, comecei a pensar em algo para este trabalho.

Tinha a intenção de escrever uma cartinha e tentar imprimir em Braile, mas o dia passou e nada fiz.

À noite, pensei: “Será que vai ter algum com o nome de Eduardo?

Puxa, seria bem legal.” Mas, resolvi esperar. Não adiantava nada eu ficar pensando no assunto.

Na quinta-feira pela manhã, estava tomando meu café e resolvi ligar para minha amiga Jucilene, que é deficiente visual.

Solicitei a ela uma ajuda, pois gostaria de dar algo para as crianças.

Primeiro, ela me recomendou bala de goma, daquelas balas sortidas em forma de ursinho, carrinho etc.

Como segunda opção, disse: “que tal um áudio-livro?”

Achei interessante e, na mesma hora, liguei para a Livraria Cultura,  mas não daria tempo da entrega, já estava muito em cima da hora.

Chegando à Claro, comuniquei a ideia para Aline, que aceitou prontamente que eu desse as balas, sem nenhum problema.

Sairíamos às 13h00 em direção à praça, para nos encontrarmos com as crianças.

Logo ao meio-dia, fui almoçar com minha esposa e depois entramos em uma loja de doces. Havia vários tipos de bala de goma.

A princípio, iríamos levar sortidas. Já estavam quase todas em minhas mãos, quando vi a bala que vem no formato da carinha do Mickey.

Adoramos, pois temos uma filha de dois anos chamada Júlia e ela adora o Mickey.

Como só havia seis pacotes, solicitamos mais balas ao vendedor. Ele me mostrou uma caixa com doze e eu precisava apenas de dez, mas, duas a mais, pensei comigo, tudo bem.

Encontramo-nos no estacionamento, subimos na van que nos transportaria até lá e seguimos rumo ao local onde seria a nossa visita. Esperamos por cerca de vinte minutos, quando o ônibus das crianças chegou.

A coordenadora, Edni, veio a nós e comentou que havia uma criança a mais (11 crianças) e que duas delas (um menino e uma menina) não possuíam nenhuma visão e que as outras tinham problemas, mas conseguiam enxergar parcialmente.

Eu queria muito viver essa experiência e pedi para ficar com o menino completamente sem visão, o que permitiram.

O nome dele é Júlio, ele tem seis anos. Na mesma hora, um colega, Moisés, pediu para ficar com a menina.

Assim que Júlio desceu do ônibus com sua mãe, fui apresentado a ele. Abraçamo-nos e eu disse que o acompanharia.

Logo no começo do passeio, sentamos para ouvir as instruções iniciais. Peguei uma grande folha de árvore e coloquei em sua mão para que sentisse. Ele pegava a folha, mexia, virava, passava a mão e sentia cada detalhe.

Ele continuava a passar a folha de uma mão para outra, estava nervoso. Edni chegou ao nosso lado e o acalmou.

– Júlio, este é o Tio Eduardo, ele vai ficar com você, fique calmo.

Ele estava todo tempo segurando minha mão. Quando ela acabou de falar isso, ele colocou sua outra mão sobre a minha e batia devagar, como quem diz: tudo bem.

Havia várias árvores. Fomos até uma delas e o ajudei a abrir os braços e abraçá-la, para que ele pudesse ter a dimensão do tamanho de cada uma delas.

Eu já conhecia esse lugar mas, a cada passo, eu tentava observar tudo ao meu redor e descrevia, para que ele não perdesse nada daquele momento.

Mostrava a ele a diferença entre um chão de cimento que pisamos e a diferença que sentia ao pisar em um paralelepípedo.

É engraçado, mas para muitos de nós, isso é irrelevante, mas, para ele, cada passo, cada alteração por onde passa é uma novidade.

Entramos onde um dia foi um incinerador. É um salão com vários vidros pintados na parede, falando sobre a obra da praça.

Havia salas que estavam com as portas fechadas e, a cada passo, ele colocava suas mãos na parede, na porta, no vidro e ia sentindo o ambiente, até que paramos em frente a uma grande estante com livros e revistas.

Dei uma revista em suas mãos e comecei a folheá-las com velocidade para fazer um ventinho em seu rosto e falava uuuuuuuuuuuuuuuuuuhhhhhhhhhhhhhhh.

Chegou sua vez. Ele não parava de fazer isso. Folhear a revista o deixou muito feliz.

Lá, existe uma grande horta. Passamos as mãos no alecrim, na alface, na cebolinha, dentre outras folhas, e fomos até o minhocário. Tia Tereza colocou uma minhoca em suas mãos e, com os dedos, ele ia tocando para saber como ela era.

Na sequência fomos lavar as mãos e ganhamos um lanche.

– Tio tem pão, adoro pão, ele disse.

A cada minuto, ele segurava em minhas mãos para ter certeza de que eu estava ao seu lado.

Em seguida, fomos até a área de reciclagem/reaproveitamento de materiais, onde eles nos ensinaram a fazer brinquedos.

Lá, separam as crianças dos voluntários, pois assim as crianças podem fazer seus brinquedos sozinhas, só que neste caso, tanto Moisés quanto eu pudemos ficar com as crianças.

Neste momento, também entrei na brincadeira e comecei a fazer caretas para os outros voluntários para sacanear com os que ficaram do outro lado.

Montamos dois brinquedos, um chamado “Cabulete” e outro que parecia um chocalho.

O primeiro era feito com uma garrafinha de Danone e um círculo de papelão colado na parte superior, preso com duas tampinhas, uma de cada lado.

Ao virar a garrafinha com as palmas das mãos, as tampinhas batiam no círculo e faziam barulho.

Para fazer o segundo, dobramos uma folha de raio-x, igual a que  tiramos em hospital, enrolamos, colocamos pedrinhas dentro e fechamos as extremidades com tampinhas de detergente liquido.

As crianças foram ao delírio. Imitávamos o barulho de um trem. Eu aproveitei. PIUIIIIII me lembrava do Patati Patatá que minha filha adora.

Já quase no final, falei para o Júlio:

– Olha, há um grande jacaré de papelão no teto, deixa todos saírem que eu vou te levantar e você vai senti-lo, ok?

Ele abriu um sorriso que não tive como resistir. Peguei-o no colo e ele foi sentindo o jacaré. No teto havia mais um enfeite. Segurei em suas pernas e pedi:

– Confie no tio!

Chamei outro voluntário, o Elcio, e juntos o ajudamos para que ele pudesse tocar no brinquedo preso ao teto. Ele adorou. Seu rosto expressava uma alegria que extravasava.

Na volta, tiramos várias fotos. Eu, particularmente, não gosto de despedidas e não foi fácil me segurar. Diversas vezes meus olhos lacrimejaram. Já na van, escutei algumas frases como: “é, ela enxerga sim, mas não tem cura. Aos sete anos não vai mais poder enxergar”; “Ahhh, sim, ela ficava olhando você, Elcio. Era só você falar e ela ria.”

Já faço trabalho voluntário há muitos anos e sempre, ao final, tenho a sensação de dever cumprido. Mas nesse foi diferente.

Tive a sensação de não querer que chegasse às 17h00 para voltar. Era como se quisesse que o tempo continuasse naquele mesmo tempo ou que passasse mais devagar.

Fiquei com saudades e ainda estou.

Estou finalizando meu depoimento. Acho que ninguém esta vendo como estou, ufa... “Chamon, Chamon, olha um CD com as fotos de recordação...”

Ele foi para casa. Foi uma tarde divertida, ganhou um brinquedo, mas eu... Eu fiquei com o registro do que meus olhos viram, do que o coração sentiu e da recordação que me presentearam.

Foi um dos trabalhos mais gratificantes que já fiz.

Só posso agradecer ao Papai do Céu pela oportunidade...

Eduardo Chamon

Voltar